Por Gilda Figueiredo Ferraz de Andrade
No ano passado, o número de processos trabalhistas cresceu em 11,6%, em relação a 2020 e em 2022, as projeções no TST são de receber mais de 400 mil novos processos.
Depois da pandemia, a atuação digital ingressou definitivamente na rotina da sociedade e não foi diferente com os advogados e demais operadores do Direito. E como ficaram as prerrogativas profissionais, principalmente na Justiça Trabalhista, depois de um longo período de audiências e julgamentos virtuais? Certamente, mais fragilizada e mais exposta aos percalços do universo híbrido.
As prerrogativas para assegurar a atividade dos advogados são garantias fundamentais que garantem ao advogado “exercer a defesa plena de seus clientes, com independência e autonomia, sem temor do magistrado, do representante do Ministério Público ou de qualquer autoridade que possa tentar constrangê-lo ou diminuir o seu papel enquanto defensor das liberdades”, segundo expressam os arts. 6 e 7 da lei 8.906/94.1
Ora, Os conflitos envolvendo as relações de trabalho e de emprego durante o período pandêmico não pararam, apenas foram “virtualizados”.
No ano passado, o número de processos trabalhistas cresceu em 11,6%, em relação a 2020 e em 2022, as projeções no Tribunal Superior do Trabalho (TST) são de receber mais de 400 mil novos processos.2
Há, quem veja na dinâmica digital, um impacto negativo para as prerrogativas da advocacia porque a tecnologia pode vir a tolher o trabalho do advogado ao cercear e ao obstar, por exemplo, o trabalho da defesa no convencimento do Juízo sobre sua tese.
É público e notório, os problemas enfrentados pela advocacia durante a pandemia, a começar pela falta de acesso a equipamentos e conexão estável para um bom desempenho nas vídeo conferências precisam ser acolhidos e analisados sob o prisma também do pragmatismo.
SMJ, o trabalho tem de voltar à normalidade. Nesse universo híbrido que atualmente abita a Justiça há que reinar um equilíbrio de forças, uma paridade de armas que necessita ser alcançada e ser mantida.
As prerrogativas profissionais da advocacia devem sempre ser vistas como múnus pulico. Não podem ser entendidas como privilégios da classe, mas condições de defesa legitima da cidadania. Um dos casos de violação de prerrogativa que levou à impetração de mandado de segurança coletivo durante da pandemia foi a proibição de determinado Juízo para que advogado e cliente ocupassem o mesmo espaço físico durante as audiências tele presenciais, expedindo ofício à Vigilância Sanitária para coibir a prática.
Esta é, sem dúvida, uma interferência judicial inapropriada e inconveniente na relação advogado e cliente, ainda que visando à contenção pandêmica.
Há de se ressaltar, por outro lado , que no Brasil nem todas as pessoas têm acesso ao sinal de internet estável, realidade que de per ser constitui um obstáculo ao acesso constitucional à Justiça.
O próprio Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apurou que 7,28 milhões de famílias brasileiras continuam sendo excluídas digitais. Além da exclusão digital, a qualidade da internet em muitas localidades compromete a qualidade das audiências virtuais.
Assim como os magistrados e os parlamentares possuem suas prerrogativas no interesse público, os advogados contam com garantias para exercer com independência seu mister no interesse do cidadão. Ora, essa conscientização precisa ser fortalecida junto aos Magistrados, Membros do Ministério Público e a própria sociedade.
Durante a pandemia, as violações de prerrogativas profissionais dos advogados ficaram mais evidentes, caso de liberdade de acesso ao magistrado, que ainda nos dias de hoje está mais difícil, circunstancia que sem a menor sombra de dúvida compromete os direitos das partes e o « so-called » devido processo legal.
Os advogados podem e devem se dirigir aos magistrados nas salas de audiência ou em seus gabinetes de trabalho, sem para tanto precisar marca horário, seja para examinar autos de algum processo, mesmo sem procuração, realidade muitas vezes olvidada e o comprometida no universo digital.
Já no que respeita à violação de prerrogativas durante atendimento aos advogados nos balcões de cartórios e varas, sancionou-se, para tanto, a lei contra abuso de autoridade (lei 13.869/19) porquanto tipifica condutas abusivas praticadas por agente público ou servidor e no exercício de sua profissão, contendo assim e em “última ratio” a violação das prerrogativas dos advogados.
O importante art. 43 dessa lei, recebeu veto presidencial, derrubado no Congresso Nacional. Ele especifica que “constitui crime violar direito ou prerrogativa de, advogados previstos nos incisos II, III, IV e V do caput do art. 7 desta lei”
Entretanto, muito embora os atos presenciais tenham sido retomados, as audiências virtuais parecem ter voltado para ficar.A esse propósito, Edital, por exemplo, do Tribunal Superior do Trabalho estabelece que advogados com domicílio em outras cidades fora de Brasília podem participar da sessão da Subseção I (Dissídios Individuais) por meio de videoconferência.
O regime híbrido, portanto, é um fato na Justiça Trabalhista, que devemos avaliar para que não imponha, nem traga limitações ao pleno exercício da advocacia e suas prerrogativas.
Nas audiências e julgamentos por videoconferências, uma das violações de prerrogativas mais registradas vem sendo o “corte” da palavra dos advogados pelos magistrados que conduzem as sessões, demonstrando , além da falta de urbanidade e cortesia e tratamento respeitoso, condizente com o decoro entre os operadores em Juízo.
Outra justa reclamação da Advocacia trabalhista concerne à ausência de Ata, ainda que digital, claro, dique disponibilizada às partes ao final das audiências de 1ºGrau.
Contudo , há que se ressaltar um ponto positivo:
A gravação das sessões está se prestando à comprovação de provas a abusos cometidos frente às prerrogativas da Advocacia: Isso vem ocorrendo com indesejável frequência, a despeito de Resolução 329/20 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que trata e considera as garantias do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, como afirma o art. 4,§ 1 “Os atos realizados por videoconferência deverão observar a máxima equivalência com os atos realizados presencialmente ou em meio físico”.
Ainda:
Outra prerrogativa quebrada no mundo física, que se repete no digital é que nem sempre fica muito claro aos « players » que não há e não deve haver hierarquia ou subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, como expressa o art. 6 da lei 8.906/94, muito embora e ainda não raro, infelizmente, e em muitos casos, os juízes e membros do Parquet ainda ocupem tablados nas salas de audiência a evidenciar sua posição hierárquica superior.
Outros dispositivos de garantia de prerrogativas dos advogados para garantir os direitos dos seus constituintes são observados, como sigilo profissional, acesso aos inquéritos e processos, inviolabilidade do escritório, instrumentos de trabalho e correspondência, seja escrita, eletrônica, telefônica ou telemática quando no exercício profissional.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já nessa toada se manifestou, considerando que o escritório do advogado é tão inviolável quanto a residência.
O advogado é indispensável à administração da Justiça como estabelece a Constituição Federal, como destaca o art. 133 da Constituição Federal, também presente no art. 2 da lei 8.906/94, porque a Advocacia é o bastião dos cidadãos diante de abusos do Estado.« O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.”O custo da não observância às prerrogativas da advocacia traz ônus à cidadania.
Há comprometimento dos direitos e garantias das partes, seja o empregador ou o empregado, no caso da Justiça Trabalhista.Sempre que há violação, há a reação da Ordem dos Advogados do Brasil na forma de Desagravo ao advogado ofendido, podendo ser acompanhada de representação cível ou penal, se assim deliberado pela OAB. É a resposta, a reação pública da Classe a qualquer obstáculo interposto à defesa.
Neste ano, a Advocacia inicia uma nova fase com a vigência da lei 14.365/22, que atualizou o Estatuto da Advocacia – lei 8.906/94, além de ter modificado dispositivos do Código de Processo Civil e Código de Processo Penal.
A nova lei veio ampliar a pena do crime de violação de prerrogativas da advocacia para 2 a 4 anos de detenção e fortaleceu a sustentação oral da defesa.
As prerrogativas da advocacia são um patrimônio da democracia e da cidadania e norma fundante do Estado Democrático e Direito, seja nas audiências e julgamentos presenciais ou a distância.
Afinal, a lei existe e precisa ser cumprida. Simples assim.
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1 https://prerrogativas.oabpr.org.br/
2 https://www.tst.jus.br/web/estatistica/tst/projeções
3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/Lei/L14365.htm